O cronista Sérgio Ayres comemora do seu jeito os 234 anos de Barbacena
O ANIVERSÁRIO
Sérgio Cardoso Ayres
MEMBRO DA ACACEMIA BARBACENENSE DE LETRAS
Eu já escrevi muitas crônicas sobre o aniversário de Barbacena. Afinal, são mais de 35 anos traçando linhas pelo jornalismo da cidade – tortas, bem sei! Passei por vários órgãos da imprensa local, desde o Cidade de Barbacena, pelo Jornal de Sábado, até chegar ao EXPRESSO e ao Barbacenamais, entre outros. Ou seja, fui da antiga linotipo, quando as letras e os sentidos vinham do metal, até o digital, que tenta se manter descritivo contestando a imagem como o principal conteúdo. Algumas crônicas se assemelharam a um presente de grego, quando se fez necessário, e outras poéticas, numa mistura desigual do colonial com o barroco. Mas nem todas interessantes, confesso. Nelas, como também na realidade, a cidade soprou bem mais que duzentas velinhas em suas esquinas ventosas, comeu fatias de um bolo gigante, trocou caminhos velhos por asfaltos novos, foi ao baile como a princesinha das vertentes, recebeu rosas de Holambra, desceu rolando a Serra da Mantiqueira, beijou príncipes e sapos, traiu e foi traída, fez harmonização facial, comprou terreno para doar, invadiu hospital sem certeza aparente, elegeu políticos e influenciadores. Enfim, fez de quase tudo um pouco. E fez, às vezes bem, às vezes mal, o que é normal quando se trata de uma moça que percorre os campos comendo pelas bordas e vira uma balzaquiana que coleciona anos como se eles fossem louvores. Envelhecer, no caso, é mais do que um desafio. É saber que Minas Gerais pode até ser abissal, mas que cada pedra no caminho procura fazer um José tropeçar, como não disse Drummond.
A Barbacena de hoje não é mais aquela que via as barbas, com o vento secular, acenar de uma árvore feito um adeus ou dois olás, a barba que acena, como disse o mestre Correia de Almeida. E nem a do beijo tímido de Marília, que, como um pássaro, voou direto aos lábios de Dirceu de uma janela com adornos de renda em Vila Rica. Muito menos a que Honório Armond dedicou seus versos em francês questionando o Nazareno. E nem a que Marcier disse que só faltava roubarem a luminosidade primaveril diante de tantos descalabros. Não! A Barbacena de hoje, acreditem se quiser, ansiosa pela sua festa de 234 anos, ouviu nos corredores da Silva Jardim que não existiam recursos para celebrar a nova idade que se aproximava. Foi preciso muitos barbacenenses, indignados, protestarem para que a data fosse comemorada com o respeito que merece, feito as dedicadas às rosas, que não existem mais, e aos animais, como os cachorros que pululam pelo centro da cidade. E organizaram uma festa que lembra os bailinhos de garagem dos anos 70 do século passado. Sim, os tempos são outros. Fazer o quê? Claro que seu baile de debutantes foi feito à luz de vela, já que não existia luz elétrica por aqui. Nem mesmo o globo enfeitava a praça que abrigaria a casa do ilustre conde. Nem os Andradas e nem os Bias disputavam primazias políticas. Hoje, o povo se rende ao vazio das redes sociais e ao Duo de influenciador e beato.
Dos presentes que recebeu ao longo da vida, bastante atribulada, diga-se de passagem, entre muitos outros, vieram o Hospital Colônia e o Manicômio Judiciário, numa obscura demonstração de que, de longe, todos parecem normais. E as quaresmeiras florescem, os ipês amarelecem, as cocotas reclamam em pleno voo, o poente coroa de cores o dia que finda, os carros não passam já que estão presos nos congestionamentos, os morangos sobem de preço, o mito se desfaz, a paixão se renova e o tempo abandona a folhinha da Arquidiocese de Mariana. Não há mais como prever o futuro através da neblina que faz da Serra da Mantiqueira um aglomerado de montes que sonham com montanhas.
Somos a Barbacena de todas as épocas. Nem só a que foi, a que é, a que virá a ser. Aqui, o tempo das certezas, apesar de pétreo com as rochas, não tem solidez. Mesmo assim, a cidade, em toda a sua magnitude, nos olha com a curiosidade altaneira e a formosura de teus campos. Nós somos você, Barbacena! E assim, personificada, nos rendemos e nos damos parabéns. Obrigado!