MEMBRO DA ACADEMIA BARBACENENSE DE LETRAS
Obra de Tobias Marcier
Havia um tempo em que os espaços não mensuravam a existência humana como referência. Havia também instantes que não se contavam em espaços, nem como longe ou perto, nem como agora ou nunca. Havia, inclusive, tempos imensuráveis e espaços incontáveis, além de existências que representavam a duração dos momentos e a imprecisão dos instantes. E tudo que se movimentava não passava de impressões equivocadas sobre um futuro que só se anunciava, mas que nunca se fazia presente aqui ou algures. Do passado, só a testemunha do presente de ser um tempo mais do que perfeito. Com isso e aquilo, além das impressões equivocadas, quase todos eram autossuficientes por não saberem de nada – só de si mesmos. Esses viviam de acordo com a consciência. Já os outros, os que não mensuravam solidões e nem precisavam de referências, inconscientemente desejavam o impossível. Não que não pudessem torná-lo possível. Até podiam! Só que sabiam que as possibilidades não passavam de chances remotas de uma felicidade moribunda, mas ainda insuficiente. E levavam os dias como se eles fossem promessas de mãos dadas às mãos de crianças.
Enquanto as claridades das manhãs eram sucedidas pelas noites, umas mais escuras e outras menos, entre havias e tempos, possibilidades e imensidões, as solidões procuravam companhias em existências à esmo. Temos imprecisões na vida que não conseguimos entender pela própria limitação da finitude. E tempo e espaço são duas delas. Pode até ser que façam parte do conceito e da problemática do estar vivo, o que por si já é bem complexo, como também pode ser que não. O certo e o incerto, apesar de opostos, vagam junto com as imprecisões, que semanticamente, estão sempre presentes na escuridão dos dias, quando tememos a nós mesmos, quanto na claridade das noites, em que as revelações nos mostram a falta de sentidos nas escolhas – ou, quem sabe, nos acasos e ocasos. O tangível é que havia um tempo em que a solidão da existência não era mensurável – nem mesmo em abraços ou quereres e poderes, em universos paralelos, humanidades e inteligências, artificiais ou naturais.
Mas, nem mesmo como conjunção que liga orações e rezas por temor ao desconhecido ou o sem sentido de frases sem conformidade, sabíamos que o tempo, aquele que havia quase que como uma certeza física, deixaria misteriosamente de haver. E não existia oposição ou restrição que fizesse com que tudo parasse da mesma forma que o nada se faz uma deformidade na existência. Os espaços, que nunca tiveram vez ou sequência, passaram a ser intercalados por instantes de lucidez, bem diferentes dos momentos de ausência. Se o instante remete a algo breve, efêmero, o momento sedimenta durações mais longas. Neste, a memória. Naquele, o esquecimento. E o tempo, dividido em períodos de existência, traz consigo o havia, o houve, o há, mas, como restrição, nunca o haverá. E a descontinuidade de momentos, como o vivido, simula movimentos, mas impõe repetições e ciclos em que nos confundimos com os outros, sejamos tantos os que almejam a felicidade quanto os que se conformam como infelizes. Se o momento é individual e o instante sujeita o coletivo, não havia mais tempo para espacialidades.
Alguns ainda insistem repetindo que havia um tempo – embora apenas tenhamos a certeza do havia e a incerteza do tempo. Mesmo estes ainda confundem espaços e instantes que se repetem como um ciclo, feito a percepção de que já vivemos isso e aquilo em algum espaço ou tempo. O momento pede apenas a sua temporalidade. O instante, por sua vez, roga por espaço num tempo qualquer – mesmo o imensurável. Há presente no futuro na certeza do movimento, do início e do fim dos ciclos. Como há mais presente no passado do que ao contrário. E a solidão, será que sempre havia? Há tempo? O que há entre o efêmero e o constante? De que serve a vida como parâmetro do universo?
Às vezes, parece que superestimamos a nós e aos outros, os que vivem no espaço e os que sobrevivem ao tempo. Somos instantes e fomos momentos no que havia!