Conto do Lido: Boas Festas

O multitalentos Lido Loschi nos brinda com mais um conto de sua autoria. Desta vez, vamos falar sobre festas, boas festas. Leia...

CONTO DO LIDO

Boas Festas

Por Lido Loschi

 

Junto com os cartões de boas festas, o cheiro do doce de figo invadindo as casas, também chegavam os garrafões de vinho predizendo felicidades. Cortesia dos fornecedores agrícolas, supermercados, amigos, políticos, açougue, padaria e até funerária com dizeres: Descanse em paz nesse natal!
Era um festival de Sangue de Boi, Cata Festa, Maravilha São Roque, Garibaldi. Todos tintos, suaves, de mesa, e uma cor de dar água na boca. Diante da quantidade – Se pegarmos um garrafão, ninguém vai perceber - pensaram aquelas crianças enfaradas de torta de frango e guaraná. O plano era todos ficarem em volta da mesa, onde os adultos jogavam bisca e tomavam vinho aguardando a hora do almoço, assinalando que a vida também poderia ser leve e divertida. Ao menor descuido sairíamos com um garrafão misturado à inquietude e aos insaciáveis desejos de aventuras. E assim foi feito naquele natal no qual os presentes do Papai Noel já tinham esgotado todas as possibilidades e era preciso um motivo a mais, no caso, o roubo do vinho. A sensação de perigo fez com que tudo acontecesse muito rápido e em minutos já estávamos escondidos entre as paredes de uma casa em construção, com aquele garrafão já aberto e os copos sendo servidos. Cada um beberia um pouquinho e levaríamos o garrafão de volta, sem ninguém perceber. A intenção era apenas sentir o gostinho daquele elixir, que ninguém nunca deixava a gente provar, ou simplesmente, cumprir a sina de menino arteiro: Fazer arte! Mas um gole do delicioso suco nos deixou perturbados. Acho que alguns repetiram a dose, não me lembro, mas em instantes, o garrafão foi pela metade. Risos, gritos, tombos, vômitos, e o rosto de nossas mães, desesperadas, numa infinita roda gigante, perguntando o que tinha acontecido. Tudo em câmera lenta. Culpavam os mais velhos, xingavam e socorriam aquele bando de criança tonta. Voltamos para casa cambaleando sob o olhar intranquilo daquelas pobres mães contemplando, desiludidas, seus filhinhos alcoólatras. O mundo girava e provocava calafrios e choros de desespero. Depois de muito chá de boldo até botar para fora bile e tripas, vieram as promessas de castigo. Mas o castigo maior daquele natal, foi trocar aquele almoço comprido e gostoso, por um vertiginoso latejar na cabeça, que perdurou pela semana, até o próximo ano.


Lido Loschi é ator, cantor, escritor e fazedor de artes e sonhos no Ponto de Partida

 


Imprimir  

 







entre em contato pelo whatsapp