EXPLICANDO A CRISE E BUSCANDO SAÍDAS



Doutor em Ciências Políticas pela UFMG, Dimas Soares Ferreira faz uma análise da crise nacional e elabora alguns questionamentos pertinentes ao momento que vivemos. LEIA MAIS...

 

OPINIÃO

EXPLICANDO A CRISE E BUSCANDO SAÍDAS

 

Dimas E. Soares Ferreira

 

É mais conveniente sermos governados pelo melhor homem

ou pelas melhores leis? A lei não tem paixões que necessariamente

se encontram em cada alma humana. (Aristóteles)

 

Segundo o cientista político Fábio Wanderlei Reis, poucos diagnósticos dessa crise política têm sido feitos sob a ótica fria da ciência. Na maior parte das vezes o que se vê são análises extremamente passionais, desprovidas de um olhar racional e científico, contaminadas pelas paixões ideológicas e pelos interesses partidários. 

Nesse sentido, podemos dizer que a atual crise que se abate sobre o sistema político brasileiro está relacionada a pelo menos cinco fatores estruturais: (1) a falência do modelo de presidencialismo de coalização que se desenvolveu desde a redemocratização; (2) a junção de presidencialismo, cameralismo, multipartidarismo e excessiva fragmentação dos interesses; (3) a crise de representação e a falta de eficácia governativa; (4) a incapacidade dos partidos de direita e de esquerda vocalizar os interesses da sociedade brasileira transformando-os em políticas públicas efetivas e; (5) a manipulação peemedebista na distribuição dos recursos de poder em troca de apoio pontual no Congresso. 

Diante dessa conjunção de fatores tão desfavoráveis, o impeachment pode acabar parecendo até ser uma saída para a crise. Todavia, ele não é um instrumento político, mas um instrumento jurídico e administrativo da democracia. Logo, há uma diferença enorme entre o impeachment de Collor no início dos anos 1990 e a tentativa de se promover o impedimento da Presidente Dilma atualmente, já que não há nenhum ato de improbidade praticado dolosamente por ela que possa ser usado como prova para a abertura de um processo de impeachment. Seu impedimento significaria, na verdade, o impedimento das forças políticas de esquerda oriundas da resistência contra a ditadura civil-militar que lutaram longa e dolorosamente pela redemocratização do país. Para alguns atores políticos oportunistas e irresponsáveis com a preservação da institucionalidade democrática, o que interessa mesmo é usar o impeachment para promover a destruição do maior partido de esquerda da história brasileira, o Partido dos Trabalhadores. Um partido que apesar de todos os seus erros estratégicos, é o maior e mais consistente partido de esquerda e que conseguiu implementar de forma inédita um projeto desenvolvimentista de inclusão social. 

Outro aspecto crucial para se explicar essa crise está relacionado à escolha de Dilma Rousseff por Lula como sua sucessora. Talvez pensando na lógica maquiavélica de que o príncipe não deve permitir que surjam líderes capazes de lhe sobrepor seu carisma e a sua capacidade de aglutinação política, ele então a escolheu. E ela não demonstrou ter capacidade necessária de exercer a liderança política que se esperava dela, abrindo espaço para as forças políticas conservadoras da direita criarem rótulos que ajudam na desconstrução de sua imagem pública. 

Já as eleições de 2014 foram sui generis e também ajudam a explicar essa crise. Primeiro porque, depois de muito tempo, viu-se o surgimento de vias alternativas, como Marina Silva e Eduardo Campos. Também porque no meio da campanha eleitoral ocorreu a morte “espetacular” de um destes candidatos, abrindo assim a possibilidade de vitória eleitoral do PSDB que, ao comemorar a vitória com relativa antecedência, gerou uma enorme frustração no seu eleitorado majoritariamente de classe média. Frustração essa que em pouco tempo virou ódio de classe. Fenômeno político só visto no Brasil nos anos que antecederam o golpe militar de 1964. 

Em meio a todos esses componentes, a crise política passou a se retroalimentar de mais dois processos. Um deles está relacionado aos escândalos de corrupção que emergiram com a Operação Lava Jato e o outro ligado à crise econômica e a incapacidade do governo equilibrar, em curto prazo, seu orçamento. Tudo isso tirou do governo o controle da agenda política que caiu nas mãos das forças conservadoras da direita apoiada pela grande mídia do eixo Rio-São Paulo que diariamente bombardeia a opinião pública com um noticiário recheado de prisões de empreiteiros, delações premiadas, denúncias quase sempre sem provas materiais, além de julgamentos transmitidos ao vivo do TCU, TSE e STF. Essa judicialização da política com um forte viés conservador e elitista, que desde 2005 contamina a democracia brasileira, tem sido o componente mais forte para a crise política que se abateu sobre o Brasil desde a reeleição de Dilma Rousseff, levando ao desgaste generalizado das lideranças políticas de parte a parte, sejam da situação ou da oposição. 

Então quais são as possibilidades de saída para essa crise política, se é que elas existem? Um impeachment que não prospera por ausência absoluta dos elementos jurídicos necessários e de provas materiais que demonstrem que a Presidente da República cometeu crime de responsabilidade? A menos provável ainda renúncia de uma Presidente que ao longo de sua vida sobreviveu a situações de extrema tensão, como nos anos de prisão e tortura durante a ditadura militar? A eclosão de uma grande revolta popular envolvendo todos os setores da sociedade e não apenas a velha classe média das metrópoles do Centro-Sul insatisfeitas pela perda de status quo? A queda do Presidente da Câmara dos Deputados envolvido em corrupção e lavagem de dinheiro na Suíça e a consequente eleição de um novo Presidente menos odioso e fundamentalista, disposto a aceitar a pauta apresentada pelo Executivo baseada nas medidas do ajuste fiscal? Em todos esses casos haverá uma enorme regressão política no país, algo que não acontecia desde 1964. A última opção parece ser a que menos prejuízo produzirá sobre nossa democracia e se este é o preço a pagar para sair da crise e salvá-la, que assim seja. Pois, pelo menos com a sobrevivência das instituições democráticas há uma possibilidade de se reaglutinar as forças sociais e políticas progressistas e, em médio prazo, reverter as derrotas políticas destes últimos tempos.

 

 

O autor é Doutor em Ciência Política pela UFMG e Mestre em Ciências Sociais pela PUCMinas. Revisor ad hoc do eJournal of eDemocracy and Open Government e da Revista Temas da Administração Pública da Unesp. Membro do Comitê Científico da Revista Extra-Classe. Professor da Epcar e vencedor do XI Prêmio Tesouro Nacional em 2006.

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