Paulo Maia faz um resumo sobre o livro "De Rilke para um jovem poeta", para o BarbacenaMais. Confira.
ARTIGO
De Rilke para um jovem poeta
Por Paulo Maia Lopes
( RIlke: Obra Completa)
Num final de outono (europeu) em 1902, um jovem cadete de 18 anos chamado Franz Xaver Kappus lia um livro de poemas de Rainer Maria Rilke na academia militar de Wiener-Neustadt, Áustria, quando um professor aproximou-se, viu o nome do autor e lembrou ao aluno os tempos em que o mesmo passara pela mesma academia, quinze anos antes. Franz Xaver animou-se então a escrever ao poeta, pedindo opinião sobre as próprias tentativas calouras na composição de versos. Rilke manteve com ele, nos cinco anos seguintes, uma correspondência que ficou famosa no campo da literatura epistolar, publicada por Kappus em 1929 sob o título de “Cartas a um Jovem Poeta”.
As orientações de Rilke, no campo exclusivo da literatura, podem ser resumidas em poucas linhas, como fez Cecília Meireles: “Escrever só por absoluta necessidade, evitar temas sentimentais e formas comuns, escolher as sugestões sugeridas pelo ambiente, a imaginação e a memória, não dar importância aos críticos, não ler tratados de estilo.” Para além dessas normas, as cartas encerram reflexões intensas sobre a arte e a vida, que ultrapassam a ocasião e o destinatário, para tornarem-se parte da grande aventura da comunicação e do pensamento.
Kappus prosseguiu na carreira militar, ao contrário de Rilke, que comentou numa das últimas cartas: “Alegro-me de que leve essa existência firme e concreta, com essa patente, esse uniforme, esse serviço com tudo o que tem de tangível e limitado. (...) Encontramo-nos entre circunstâncias que operam em nós, que nos colocam, de vez em quando, diante das grandes coisas da natureza. A arte também é apenas uma maneira de viver”.
E Rilke foi um artista como poucos.
Nasceu em 4 de dezembro de 1875, de família austro-germânica, em Praga, capital da Boêmia (hoje República Tcheca), então parte do Império Habsburgo, cujos soberanos reinavam sobre a Áustria, a Boêmia e a Hungria. Fez seus primeiros versos nos tempos de academia militar, de onde saiu em 1891.
Em 1894, aos 18 anos, terminou “Vidas e Canções” (Leben und Lieder), e no ano seguinte matriculou-se no curso de História da Arte e Literatura, em Praga. Em 1896 passou a estudar Filosofia na Universidade de Munique, e em 1899, História da Arte na Universidade de Berlim. Viajou pela Rússia e a França, escrevendo monografias sobre pintores russos e Auguste Rodin.
(O Rio Moldava em Praga, cidade Natal de Rilke)
Publicou “Novas Poesias” (Neuen Gedichte - 1902); “O Livro das Horas” (Stunden-Buch- 1905); “A Canção de Amor e de Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke” (Weise von Liebe und Tod des Cornets Christoph Rilke – 1906): “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge” (Die Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge – 1910); “Canções de Guerra”(Kriegsgesänge -1914); “Elegias de Duino” e “Sonetos a Orfeu” (Duineser Elegien - Die Sonette an Orpheus – 1923).
A partir de 1924 esteve várias vezes no Sanatório de Val-Mont, perto de Montreux (Suíça) e em Bad Ragaz, tratando-se de leucemia. Morreu em Val-Mont, no dia 29 de dezembro de 1926, aos 51 anos de idade. Foram publicados postumamente os “Poemas de Michelangelo” (Dichtungen des Michelangelo), bem como sua rica e volumosa correspondência.
Rainer Maria Rilke é considerado um dos melhores e mais influentes poetas modernos, pela concisão de seu lirismo musical e nostálgico, impregnado de elementos místicos, sua imagística simbólica e a profundidade de suas reflexões sobre as coisas do espírito. Deixou traduções magistrais em alemão de poetas franceses como Verlaine, Mallarmé e Valéry. De nossa parte, oferecemos aos leitores tentativas de tradução de dois poemas seus: “Der Schutzengel” (O Anjo-da-guarda) e “Mein Hertz” (Meu Coração):
DER SCHUTZENGEL
Du bist der Vogel, dessen Flügel kamen,
wenn ich erwachte in der Nacht und rief.
Nur mit den Armen rief ich, denn dein Namen
ist wie ein Abgrund, tausend Nächte tief.
Du bist der Schatten, drin ich still entschlief,
und jeden Traum ersinnt in mir dein Samen, -
du bist das Bild, ich aber bin der Rahmen,
der dich ergänzt in glänzendem Relief.
Wie nenn ich dich? Sieh, meine Lippen lahmen.
Du bist der Anfang, der sich groß ergießt,
ich bin das langsame und bange Amen,
das deine Schönheit scheu beschließt.
Du hast mich oft aus dunklem Ruhn gerissen,
wenn mir das Schlafen wie ein Grab erschien
und wie Verlorengehen und Entfliehn, -
da hobst du mich aus Herzensfinsternissen
und wolltest mich auf allen Türmen hissen
wie Scharlachfahnen und wie Draperien.
O ANJO-DA-GUARDA
Tu és o pássaro, tuas asas me visitam
ao acordar, das trevas no mutismo.
A quem aceno, e só meus braços gritam
do fundo de mil noites, neste abismo.
és o fantasma, que a medo eu ultrapasso
e cada sonho meu fecunda e cria.
és o quadro, eu de moldura não passo
cercando-te esta luz, que brilha em demasia.
Como chamar-te? Vê, meu lábio empalidece.
És o princípio, que amplamente se derrama,
eu sou a lenta e amedrontada prece
que tua beleza, tímida, proclama.
Por ti afronto sempre as sombras que rejeito
Quando o sono me lembra o túmulo temido
e como a um ser em fuga, sem rumo, perdido -
tu me resgatas deste íntimo negror,
a altas torres me elevas, como a um eleito
como flâmula rubra em mastro multicor.
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MEIN HERTZ
Ich weiß nicht, was ich habe,
mir ist ums Herz so schwer...
Ums Herze? Ach was sag ich
ich hab doch keines mehr.
Seit ich, mein Glück, dich kenne,
du süßes Liebchen mein,
vom ersten Augenblicke
an wars ja doch schon dein.
O mögst du es behalten,
damit es stets so blieb.
Es soll ja dir gehören,
nur dir, mein süßes Lieb!
Giebs nie mehr mir zurücke
es schlägt dir ja in Treu
und willst du's nicht mehr haben
mein Schatz, dann brichs entzwei.
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MEU CORAÇÃO
Não sei mais porque tenho
o coração tão pesado...
Coração? Que digo eu,
este já me foi tirado.
Desde quando, ó minha sorte,
tu, doce amorzinho meu,
naquele primeiro instante
quiseste que fosse teu.
Possas tu permanecer
sempre assim, neste langor.
Ë justo que eu só escute
apenas tu, doce amor!
Contra mim não te rebeles,
eu fui fiel, tu não vais
querer-me o peito partido,
meu tesouro, uma vez mais.
(Lago de Genebra em Montreux)