Ler & Pensar | Sérgio Cardoso Ayres "Debaixo da Compadecida"



Com alegria e orgulho, o BarbacenaMais tem a honra de receber de volta o escritor Sérgio Cardoso Ayres, que publicará suas crônicas no portal

DEBAIXO DA COMPADECIDA

Sérgio Cardoso Ayres

Membro da Academia Barbacenense de Letras

 

Metade de nada sobre a mesa de cabeceira deslocada para a sala de jantar. Vazia. Só inteiros contam um, dois, três...! Tua face rubra em um cinema do interior de Minas. Louca, ela. Noites escuras. Era assim todo dia. Vidas Amargas sem o charme de James Dean. Ou Secas na aridez de Graciliano Ramos. É preciso dar um jeito, meu inimigo. Ou fazer um trejeito. Ninguém ficou aqui para descontar essa história. Erasmo elogiou a loucura antes dos tratamentos invasivos na pretensa cura do desconhecido. Psicose no quarto ao lado. Já o velho museu vai aos muitos sendo esquecido por um projeto de poder para desmemoriados. Esqueça os mortos que eles não voltam mais, disse Dylan. O globo girando na praça feito uma roleta política durante as madrugadas em cassinos clandestinos. Ou igual ao planeta nas mãos do general representado por Chaplin. Camilo, ao ser conde, falando aos passarinhos que Hitchcock pendurou às dúzias nos fios. Leda, assustada, larga o cisne sem pescoço e vem ao encontro do seu destino. Zeus é de uma aristocracia decadente que faz O Aprendiz o idiota do século. Enquanto isso, sem Leda, a fonte do jardim suspenso ferve suas águas em mais uma onda de calor. Sob o sol de Satã. E Onda Gomes passeando pela rua Quinze no romance de Raquel de Queiroz. Teu rosto fixo como fragmentos de mármore de Carrara. Uma morte, mesmo sendo boa, é pouco para a integridade de Honório. O relógio da Matriz não bate no mesmo descompasso do coração dublê de príncipe do poeta. Piedade. Piedade. Aldeias fantasmas. Jesuítas inexistentes. Imigrantes com terras e nativos despejados. Nem com o rosário nas mãos se resolve.

Sim, havia rosas no tempo de Graciliano. Um extenso vale nunca sonhado por Flausino entre montanhas que assustavam o Mário quando criança. Hoje assustam menos que Nosferatu ao crepúsculo na torre da velha escola. O monte desafiando a Serra da Mantiqueira. O que diriam nossas rosas se pudessem falar? Segredos de alcova. Fragrâncias coloridas. Impropérios! Noviças rebeldes correndo livres pelo Parque de Exposição. Mas não é todo dia que se tem a vida inteira. Verdades partidas. Pontos no firmamento de uma mineiridade envolta em sedas - tecidos que não servem como papel para se opor ao vento e fazer esvoaçar as pipas ao dissabor do vento que sopra fétido de manhã cedo. Fábricas que tecem pesadelos na forma de sonhos recheados de doces de quaresmeiras. As maritacas não cansam de reclamar disso e daquilo outro. A porta do velho casarão está destrancada. Pode entrar! A estatueta do Oscar continua empoeirada no registro da velha fazenda. Nossa Senhora do Pilar desapareceu. Beatas vendem camisetas em louvor. Divididos entre Isabel e Isabelinha, inconfidentes tramam contra a lua cheia no céu de brigadeiro. Militares marcham pisando em civis. Macacos que invadem a praça principal e expulsam seus antigos moradores. Um mestre a esticar correias monarquistas. Bustos de bronze. Os passinhos perderam o compasso da procissão. Éramos cinco diante de Verônica. A Maria, coitada, nem fumaça faz. Então, não há fogo? O trem não oferece café com pão e bolacha não e nem para na estação de uma só fachada restaurada. Virar instituição por aqui é adotar discursos policialescos. Pode. Não pode. Vereadores como figurantes em clássicos no streaming. Embaixo da tradição, os tempos modernos se escondem na roupa íntima bordada debaixo da compadecida. Tira o lençol do varal que a chuva da goiaba vem aí. Larvas quae sera tamen.

Holocaustos boiam no rio das Mortes enquanto a luminosidade diverte o artista plástico de óculos escuros. De repente, sai Emeric e entra o Paulão. Tiradentes não usava dentadura. Não me venha com o discurso desgastado de vítimas do eurocentrismo. Terra para italianos e mentiras para o velho Puri que vaga pelo campo que verte passados fixos com fita durex na biblioteca. Fuja do flagrante. Estique o Rosário. Mais Barbacena. Festeje o jubileu. Rebobine tudo. Espere! Há uma luz no fim do túnel da Linha da Oeste que não brinda os pontos cardeais.  Se ajeite na cadeira. Viva! A sessão de tortura vai recomeçar. É ficção barata!

Imagem: Tela do artista plástico Paulo Mattos de propriedade de Sérgio Cardoso Ayres


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