Sérgio Cardoso Ayres destaca a poesia beat do barbacenense Luiz Balthazar, que lançou dois novos fanzines no mês de agosto. Nas obras, todo o vigor da poesia que é um dos destaques de nossa literatura interiorana.
Luiz Balthazar
A poesia beat de um errante barbacenense
Por Sérgio Cardoso Ayres
Numa época de transmídia, quando a velocidade das informações derrota a qualidade do texto, em que as pessoas vivem conectadas com o sistema e nem percebem o quanto são conduzidas pela tecnologia das redes sociais, a velha e boa literatura da poesia beat continua a demonstrar o quanto nos cabe de rebeldia, de insociabilidade, de insatisfação e do anticonsumismo como formas de contestação de uma realidade. E se o seu suporte é o velho e rústico fanzine, então, sua força parece ser muito mais intensa e fragmentária, quando o círculo se fecha sobre si mesmo, em que a sintonia punk de não parar nas esquinas para não dar chance de ser localizado nos mostra que o mão-a-mão de suas páginas ainda mantém viva a desesperança do passado, o não crédito ao futuro e o presente como última circunstância do existencial.
O barbacenense Luiz Balthazar, reduto beat de nossa literatura interiorana, é o melhor exemplo de um gênero poético que expressa um estilo de vida em que a contracultura é uma reação que não envelheceu ao sistema, que não fica apenas na aparência ou no discurso. Arredio, recluso, errante, Balthazar construiu um universo poético em que referências como Kerouac e Ginsberg caminham por ruas sem saída do subúrbio de forma despreocupada. Com 68 anos, o poeta lançou em agosto dois novos fanzines que mostram o vigor de uma poesia em que a esperança já desceu do carro e que a garota que pegou carona acaba de acender um cigarro, virar de lado e abrir um sorriso quase que como um convite para um drink no próximo quilômetro.
Poemas dos fanzines “Orelha” e “Nas asas do poeta”
CENAS DE UM APARTAMENTO
No súbito gesto
de sonolência
mágoas dormidas
no sofá
e tic-tac
no relógio
CHATO
Dia chato.
Olhares tristes nas nuvens.
Hálito mentolado.
a hora
é de ratos
e gatos na praça.
ANGELICAL
Um poema meu?
Sinto muito.
Meu último poema
Criou asas,
Voou
Foi ser anjo.
(...)
Uma passageira emoção
de sentimento desarrumado
que não fica aqui,
sem abraço,
sobrevivente de perigos,
que lembra
tudo fora de lugar
e repete
o mesmo disfarce
de sorriso torcido
a cada dia.
GODARD
Ainda de madrugada
TV ligada
Um filme antigo.
Emocionado fiquei.
Então, terminei
de escrever o poema.
Duas horas
Fui dormir.
SERIA AMOR?
Me usou.
Me abusou.
Não me convenceu,
não me venceu.
Não retornei.
EROTISMO MALDITO
Maldita ilusão
de seios nus.
Maldita ilusão
de corpo vadio
que se prostitui.
Maldita ilusão
Desse orgasmo traidor.
POEMA PARA OS PASSOS
Passos visitam
o subúrbio desta cidade.
solidão de passos
pelas calçadas, pelas ruas,
pelas praças, pelos guetos,
pelos bares da vida, pelas esquinas,
pelos motéis, melancólicos,
boêmios.
Passos voltando
sozinhos para casa.
OBJETO
O amor
é uso
e abuso de camas.
O amor
é uma nota de cem dólares.
O amor
é um espelho.
OUTRO SONHADOR
Outro
sonhador idiota.
Outro
sonhador sem chão
Outro
sonhador no precipício
POEMA NU
Penumbra de sombras
ao amanhecer sem sol.
Miséria saída do submundo,
muda e contemplativa,
sonhando com ilusões
às cegas pelas ruas.
Uma canção de mortos.
Foto: Sérgio Cardoso Ayres
O poeta Luiz Balthasar: uma visão beat do universo literário