Antonio Maria: “Que bobos! Eles pensam que o jornalista escreve com as mãos”

Dia Internacional da Liberdade de Imprensa e a história dos bobos que achavam que jornalista escrevia com as mãos

Aluizio Falcão Filho

Decidi ser jornalista com dezesseis anos de idade. E, nessa época, passei a consumir vorazmente tudo o que era relativo ao jornalismo, de livros a exemplares de revistas antigas. Nesta sanha consumista, comprei um pôster que ficou em meu quarto até me mudar da casa da minha mãe. Nele, havia a foto do jornalista Antonio Maria, falecido em 1964, com uma frase: “Que bobos! Eles pensam que o jornalista escreve com as mãos”.

Num determinado dia no início dos anos 1960, este jornalista foi atacado por brutamontes ligados a alguém que não havia gostado da coluna publicada no dia anterior. O chefe dos capangas orientou seus jagunços a pisar seguidamente nas mãos do jornalista, dizendo: “Assim, ele não escreverá mais”. Em sua coluna, na manhã seguinte, o texto de Maria começava com essa frase, que ficou célebre. Repetindo: “Que bobos! Eles pensam que o jornalista escreve com as mãos”.

A imagem deste pôster me veio à cabeça ontem à noite – ironicamente a data em que se comemora o dia mundial da liberdade de imprensa. No domingo, durante manifestação em Brasília, jornalistas foram hostilizados por quem protestava nas ruas do Distrito Federal. Um deles, o fotógrafo Dida Sampaio, de O Estado de S. Paulo, foi agredido com empurrões e pontapés, juntamente com o motorista Marcos Pereira (profissionais de outros veículos também foram insultados pelos participantes da manifestação, embora sem agressão física).

A escalada de violência contra os profissionais de comunicação já ultrapassa os limites dos xingamentos e dos impropérios. A imprensa, há muito, é apresentada como a culpada de tudo de ruim que acontece no país e acontecimentos como os de ontem eram uma questão de tempo para ocorrer. Quem não tem argumentos válidos e não consegue sustentar uma discussão costuma partir diretamente para a agressão. Foi o que ocorreu no domingo em Brasília.

Infelizmente, violência gera mais violência e nada indica que essas agressões vão diminuir com o tempo. Esperemos que esse caminho não chegue a produzir tragédias, como a do repórter Tim Lopes, da Rede Globo, assassinado por traficantes em 2002.

A morte de Antonio Maria, ao contrário da de Tim Lopes, foi causada por um enfarte, devido a problemas crônicos de coração (ele mesmo se definia como “cardisplicente”). O talento deste pernambucano com as palavras o fez explorar os ramos da poesia e da música. Ele é o autor, por exemplo, das letras de “Ninguém me Ama” e “Manhã de Carnaval”, para ficar em algumas de suas inúmeras canções. A frase que cunhou marcou gerações e serve de inspiração para todos os repórteres que batalham por suas matérias e querem revelar a verdade, independente de suas ideologias políticas.

No mesmo espírito de Antonio Maria, o jornal americano Washington Post – o mesmo que revelou o caso Watergate –, produziu um comercial veiculado na final do Super Bowl, nos Estados Unidos, no ano passado. Este vídeo (acesse aqui: 

 ), de um minuto, transmite a essência do que é a imprensa livre: “O conhecimento nos dá poder. Nos ajuda a decidir. E nos mantem livres”. O trabalho do jornalista é exatamente esse: levar os fatos à sociedade, gerando conhecimento que torna a vida cada vez melhor. Em muitas ocasiões, o repórter traz notícias indigestas ou faz críticas que incomodam. É o preço a pagar por um imprensa livre que, frise-se, não existe nas ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda. É por isso que a assinatura do vídeo do Washington Post é mais atual que nunca. O comercial termina com a seguinte frase: “A democracia morre na escuridão”.   

Não podemos deixar que essa escuridão tome conta do Brasil.

 

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