Inspiração | O ano novo nas poesias de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar



Três poetas refletem sobre as possibilidades de um novo alto. Reflita também e tire destas poesias inspiração para você

Ano Novo

Ficção de que começa alguma coisa!
Nada começa: tudo continua.
Na fluida e incerta essência misteriosa.
Da vida, flui em sombra a água nua.

Curvas do rio escondem só o movimento.
O mesmo rio flui onde se vê.
Começar só começa em pensamento.

~ Fernando Pessoa

 

O ANO PASSADO

O ano passado não passou,

continua incessantemente.

Em vão marco novos encontros.

Todos são encontros passados.

As ruas, sempre do ano passado,

e as pessoas, também as mesmas,

com iguais gestos e falas.

O céu tem exatamente

sabidos tons de amanhecer,

de sol pleno, de descambar

como no repetidíssimo ano passado.

Embora sepultos, os mortos do ano passado

sepultam-se todos os dias.

Escuto os medos, conto as libélulas,

mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.

Não consigo evacuar

o ano passado.

       Carlos Drummond de Andrade

 

ANO NOVO

Meia-noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.

Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso silêncio

da Via-Láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça

nada ali indica

que um ano novo começa.

E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.

Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver:

que isso é coisa de homem

esse bicho

estelar

que sonha

(e luta).

      Ferreira Gullar

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