Ângelo Satyro | Novembro. Mês de Consciência Negra. Consciência do quê?



Chegado o mês de novembro, mês de consciência negra, somos levados a pensar duas coisas: o que é consciência? e o que é negra?

Novembro. Mês de Consciência Negra. Consciência do quê?

Por Angelo Sátyro - Antropólogo


Chegado o mês de novembro, mês de consciência negra, somos levados a pensar duas coisas: o que é consciência? e o que é negra? A palavra consciência, etmologicamente, deriva do radical latino "gno" e da palavra grega "gnose", e significa ter conhecimento. Já a palavra negra, é um termo sociológico e se refere a um grupo de pessoas de pele escura e que descendem de africanos. Portanto, consciência negra é ter conhecimento sobre esta descendência e sobre o universo social, histórico, econômico, político, cultural que envolve as pessoas negras e as relações sociais e raciais no mundo e no Brasil. Tal como a cultura e a identidade, esta consciência negra, não é dada biologicamente, mas construída no dia a dia, através das relações sociais.

E o nosso primeiro ponto para a formação de uma consciência negra, é saber que a humanidade tem origem no sul da África, com o surgimento dos australopitecos e que de África o "homo" já saiu "sapiens sapiens", para povoar o mundo, e que portanto todos os seres humanos de alguma forma, são africanos. Assim, o negro tem que saber que a África é o berço da humanidade e da história, pois, os historiadores ao dividirem a história humana a dividiram em pré-história e história, tiveram como base a invenção da primeira escrita, o hieróglifo, e a domesticação de animais e plantas, o que promoveu o sedentarismo das pessoas e futuramente o surgimento do comércio e das cidades. Isso aconteceu em África, na terra dos faraós, o Egito.

Na literatura, o negro tem que saber que as obras primas "Os três mosqueteiros" e "O Conde de Monte Cristo" foram escritas por Alexandre Dumas (1802-1870), um francês negro. O negro tem que ter consciência, que quem criou a Academia Brasileira de Letras foi um negro, Machado de Assis (1839-1908), e que Chiquinha Gonzaga (1847-1935) não era branca como retratou a novela de televisão.

Nas ciências médicas, o negro tem que saber que um dos principais nomes da história da cirurgia cardíaca Vivien Thomas (1910-1985), era negro e foi responsável para o sucesso da primeira cirurgia em paciente com "síndrome do bebê azul" sem óbito do paciente.

Nas artes musicais, a pessoa negra tem que saber que o rock pesado do Led Zepelin (1968-1980) não foi inventado em Londres, e que quem inventou o rock não foi Elvis Presley (1935-1977), mas que o rock tem origem dos blues de New Orleans e foram criados por artistas negros como Sister Rosetta Tharpe (1915-1973) e Chuck Berry (1926-2017). O negro tem que saber que a música que representa a identidade do Brasil é negra, que é o samba e que do samba se origina tanto outros ritmos, e que portanto mesmo cantado por brancos, o samba canção é coisa de preto.

O negro tem que saber que a comida que representa a identidade nacional é a feijoada, que a maior festa cultural brasileira é o carnaval, que a única luta "arte-marcial" brasileira é a capoeira. E que todas foram criadas por negros.

Politicamente, o negro precisa saber que a igreja católica em 1452 através a bula papal dum diversa autorizou a coroa portuguesa a invadir terras africanas, tomá-las pra si, e promover a escravidão perpétua e hereditárias dos povos africanos. Que as ordens como as carmelitas, jesuítas e beneditinos possuíam escravos, que a igreja praticou a chamada pedagogia da escravidão, que buscava fazer com que o escravo se conformasse com sua situação de escravo.

Os negros tem que saber que existiam leis durante o período colonial e imperial que proibiam os negros libertos ou escravos de ingressarem em escolas. O negro tem que saber que existiu a teoria da racionalidade, que buscava justificar a não inclusão do negro brasileiro no mercado de trabalho assalariado brasileiro pós-abolição, alegando que o negro ex-escravo não saberia o que fazer com o dinheiro, o que justificaria a vinda de europeus pagos, inclusive com dinheiro resquício da escravidão.

O negro tem que ter consciência que nenhuma das leis criadas para combater ou acabar com a escravidão realmente beneficiaram os negros, mas sim aos escravocratas. O negro tem que saber que a Lei Eusébio de Queiróz (1850), encareceu internamente o preço do escravo, o que aumentou o seu valor. Que na Lei do Ventre Livre (1871), a pessoa negra fica tutelada ao estado até os 21 anos. Que na Lei do Sexagenário (1885), os escravos eram obrigados a trabalhar até os 60 anos e depois nada recebiam para se manterem vivos e que a Lei Áurea (1888) libertou os negros sem direito a nada, sem qualquer política de inclusão social seja para emprego, educação ou saúde.

O Negro tem que saber que Princesa Isabel não foi quem libertou os negros, mas os próprios negros, com apoios de brancos, políticos e acadêmicos. Por fim, o negro tem que saber que não existe igualdade nem democracia racial alguma praticada no Brasil e que o discurso da meritocracia só beneficia a classe dominante, e que para atingir esta igualdade existe a necessidade de muita luta.

Portanto, o mês de consciência negra busca uma reflexão sobre a situação do negro no Brasil, ontem e hoje na história e na sociedade brasileira. E o 20 de novembro, tema que iremos abordar na próxima semana, é o reflexo desta consciência.


SOBRE O AUTOR:

ÂNGELO SATYRO é formado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP e Antropologia pela Universidade de Brasília - UnB. Foi aluno de doutorado em Antropologia Social na Universidad Complutense de Madrid - UCM, onde morou na Europa por 4 anos e meio estudando a relação entre religião Hare Krishna e alimentação ritual.

Em Barbacena é Proponente das seguintes leis municipais:

Criação do Conselho Municipal de Igualdade Racial (Executivo)

Criação do Comissão Parlamentar Permanente de Igualdade Racial (Legislativo)

Criação do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (Conselho Municipal de Saúde de Barbacena)

Como gestor, em Barbacena, exerceu os seguinte cargos:

Presidente do Conselho de Igualdade Racial - (2012/2014)

Gerente Municipal de Igualdade Racial - (2013/2014)

É autor dos seguintes trabalhos etnográficos que envolvem as populações negras e indígenas de Barbacena:

Relatório Etnográfico da Comunidade Quilombola dos Candendês - (2012)

Primeiro Diagnóstico Socioeconômico e Demográfico das Populações Negras e Indígenas de Barbacena - (2017)

Roteiro Etnográfico da Comunidade Rural Indígena dos Purí de Padre Brito em Barbacena, Minas Gerais- (2018)

 

Atualmente, é presidente do Instituto Cultural Primeiro Quilombo

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