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As velas que queimam, queimam, queimam



A despedida de Edson Brandão para o amigo, o jornalista Luiz Penna que nos deixou nesta quarta-feira após um infarto fulminante.

Há poucas semanas nos encontramos. Adiamos uma ida a São João Del-Rei para uma visita ao Mestre Jairo Fará. Adiamos o blog. O site. A capa do livro que não fizemos. Adiamos muita coisa, como a vida que sorrateiramente vai adiando todo dia um pouco a nossa partida. Fica para a próxima semana. O próximo mês. O próximo ano...
Adiamos o inadiável.
Nos anos 90, sem wifi, hashtags, smartphones, politicamente-corretos e “temas sensíveis”, o Peninha já era capaz de enxergar que a comunicação do futuro seria na base “do it yourself”. Nos limites da precariedade do VHS, do analógico e da fita magnética ele fez videos, programas de rádio, entrevistas com personalidades inimagináveis. Até uma vaca ele entrevistou para seu caótico programa de entrevistas ZOOM. Para entrevistar o conservador Padre Venâncio, ele e sua equipe se passaram por seminaristas e o Padre adorou falar sobre rock, demônios e apocalipse. Tudo com uma densidade de conteúdo tão elevada que se projetados nas plataformas atuais o colocariam na estratosfera da influência digital. Para esta fase mais ascéptica do mundo digital ele se dedicou à produção de livros os quais cuidava de todos os detalhes. Do texto à capa.
A minha caretice não era páreo para a maluquice do Pena. Por isso, algumas das aventuras que ele mais gostava de se lembrar foram vividas com minha atuante presença. A exposição na Casa de Chá de Oswaldo Cruz, o café da manhã com Moacyr Scliar, o vídeo Movimento Terrestre, que chegou à EC0-92, até então o encontro ambiental mais abrangente do mundo pré-internet, a entrevista com o Ziraldo, intermediada pelo genial Paulo Rogério Gonçalves, a saga dos Míopes a banda de mineiros que quase atingiu os Mamonas Assassinas. Quando eu já estava cansado de fazer charges e caricaturas (línguas mortas na era dos memes) ele me animou a desenhar semanalmente para os jornais que ele produzia com juvenil entusiasmo.
Como bom visionário ele viu muitas coisas antes delas acontecerem. Só não foi avisado da hora de parar. E parou. Pelo menos até onde sabemos…
O Pena não cabia inteiro no Luiz Dias da Silva. Por isso o Luiz partiu mas o Pena ficou. E ficará para sempre. A ele, deixo as palavras de seu adorado poeta beatnik Jack Kerouak:
“Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas.”

Edson Brandão. Setembro de 2020

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