LUTO NA CULTURA - Paulão e as cores da paixão não correspondida

Morre aos 65 anos o artista plástico barbacenense Paulo Mattos, o 'Paulão'. Amigo e admirador, Edson Brandão escreve sobre Paulão e suas cores. LeiaMais...

LUTO NA CULTURA

Paulão e as cores da paixão não correspondida

Por Edson Brandão

O dia 13 de maio chegou cinzento e fechado. Dispensou cores e efeitos luminosos das auroras outonais. À tarde o sol mais uma vez se negou a despejar luzes e sombras. Foi assim, num dia cinza que o Paulo Roberto foi embora.

Ele, que era o alquimista das cores, que sem nenhuma modéstia se dizia um mestre dos segredos da decantação, da moagem de terras e substratos, que aos serem misturados a aglutinantes diversos geravam  cores impensáveis, se despediu da vida num dia de ordinário e exaustivo cinza-rotina.

Em Barbacena, ele era o Paulão. Com seu visual de hippie tardio, figura marcante dos cavaletes armados defronte às igrejas e prédios antigos, extraindo da cidade feiosa e descaracterizada, os poucos ângulos de charme e matizes nobres. No Rio de Janeiro, mais precisamente no Parque Lage, ele era o Paulinho “Pigmento”, um mercador das tintas e lápis com as cores mais surpreendentes, capazes de encantar gente influente das artes como Charles Watson, Katie Van Scherpenberg, Luiz Ernesto e outros artistas. Todos valorizavam os materiais fabricados por Paulinho, vendidos nas viagens frequentes que ele fazia ao Rio.

Foi na Escola de Artes Visuais – EAV- que Paulão tomou um banho de cultura artística e se libertou da pintura acadêmica, copista e comportada aprendida nas aulas particulares com a professora Ana Mangualde, ainda na juventude. Foi lá que ele aprendeu a dar peso e agressividade nas pinceladas capazes de fazer um quadro pesar tanto que os chassis das telas precisavam ser reforçados para suportar tanta tinta.

Certa vez, participou do talk show de Jô Soares.

Presa fácil por ser histriônico e afetado no falar, passou a maior tempo respondendo baboseiras perguntadas pelo gordo apresentador, mas ainda assim, conseguiu fazer ao vivo um pouco da tinta que lhe rendeu a fama no meio cultural carioca.

Nunca almejou a fama, nem o dinheiro para viver da sua arte. Não se preocupava com marketing pessoal e muito menos em bajular os possíveis compradores dos quadros que lotavam todas as paredes de seu apartamento-atelier. Alí, no seu ambiente de trabalho, demonstrava surpreendente organização das centenas de pincéis e espátulas rigorosamente organizados e limpos.

Como uma espécie de Tim Maia da pintura, era dono de um talento exuberante como artista, mas inconstante e inconsequente quando tinha que dar tratos de negócio ao seu ofício.

Vivia humildemente por opção e despojado das ambições e da arrogância dos medíocres, por isso, nem sempre era levado a sério como merecia.

Tive a chance de fazer a curadoria de uma exposição belíssima realizada por ele na antiga galeria da Estação Ferroviária e de dedicar-lhe um artigo em 2011.

Foi nessa ocasião que ele definiu sua concepção da vida e da arte: “Sei que neste mundo onde coisas e pessoas devem ter utilidade, a arte não serve para nada. Mas não me importo. Viver a arte plenamente é como cultivar um amor não correspondido.”

Em tempos cinzentos, suas cores, Paulão, são mais do que úteis. São indispensáveis... 

 

Edson Brandão

 


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