A Pedra, José, Drummond e Nós



Priscila Porto traz em sua coluna, conhecidos textos de Drummond. Leia mais.   

 

MAIS LITERATURA

A Pedra, José, Drummond e Nós

Por Priscila Porto

 

“Nunca me esquecerei que no meio do caminho/tinha uma pedra”, enunciou o poeta maior Carlos Drummond de Andrade, no poema “No meio do caminho”.

“E agora, José”?

Todos já conhecem “a Pedra no meio do caminho”? E se não conhecem, em algum momento da vida, irão conhecer? A do poema-escândalo, síntese do espírito polêmico do modernismo até hoje causa espanto, assim como nossas pedras.

O que José - personagem drummondiano, que perpassou sua poesia e imaginação, e se tornou tão próximo de nós - faria diante da Pedra? E diante da festa que acabou?

Não poucas festas se acabam, e ao final delas, lá está A Pedra... bem no meio do caminho.

Devemos viver de festas ou de pedras? Ou nós mesmos proporcionamos a nós nossas “festas” e recebemos, sem saber de onde, as “Pedras”? Ou, ainda, será que plantamos pedras, em muitas atitudes e ações, e “inocentemente” ansiamos por colher festas?

“Havia uma Pedra no meio do caminho” – frase muito lida, muito proclamada, de universalidade sutil ou manifesta? Frase e poema “à flor da pele”? Todos têm pedras, todos seguem um caminho.

E José, “com a chave na mão/ quer abrir a porta, não existe porta”. Mas a Pedra está lá. Existe. Está no meio do caminho.

Inspirada em Drummond, também escrevi um poema-pedra. E quantos poetas não escreveram?

Bom, eis abaixo, o poema-pedra de minha autoria:

METAMORFOSE

A pedra caiu no chão.

O chão não esperava a queda.

A queda só nasceu

por causa da pedra.

O chão era só chão.

A queda não era queda,

a pedra era A pedra.

Em repentino supetão,

o chão não era só chão,

o chão era chão e pedra.

Pedra jogada por uma mão,

mão e pedra viraram queda.

Mão que virou pedra,

pedra que virou queda,

queda que virou chão.

Queda e chão

mão e pedra. 

 

Poemas pedras insignificantes que exprimem o peso de nossos mundos? “Queda e chão/ mão e pedra.”

Ou mundos insignificantes que exprimem o real peso das pedras e a necessidade de que as festas não se acabem?

Melancolia de pedra obstáculo e melancolia de fim de festa. Melancolia que petrifica. “Sozinho no escuro/qual bicho-do-mato (...) sem parede nua/ para se encostar”.

Mas, a passagem não pode se mostrar impossível! E nem o cansaço pode parecer maior que o próprio obstáculo.

José! É você mesmo e também somos nós, os responsáveis pela ultrapassagem ou remoção de nossas pedras.

“Nunca me esquecerei desse acontecimento”.

 

 

 

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Priscilla Porto

 

Autora dos livros “As verdades que as mulheres não contam” e “Para alguém que amo – mensagens para uma pessoa especial”.

 

 

Contato: www.priscillaporto.com

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